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Salmo 137

Sermão preparado por Lucio Manoel, VDM
LEITURAS: Obadias
TEXTO: Salmo 137

Palavras-chaves: Levitas; Cânticos de Sião; Imprecação

Amada Igreja do Senhor Jesus Cristo

O Salmo 137 foi composto por algum levita cantor, provavelmente depois do exílio babilônico. E quando os israelitas cantavam este salmo, eles recordavam da época quando ainda estavam exilados e não podiam adorar a Deus no templo, ao mesmo tempo em que celebravam a fidelidade de Deus que havia trazido o seu povo Israel de volta para Jerusalém.

O Salmo começa mencionando que alguns israelitas costumavam ir às margens dos rios espalhados pela Babilônia para lamentar o fato de estarem longe da cidade santa (v.1).

As palavras assentávamos e chorávamos mostram a profunda tristeza e lamento que dominavam o coração desses israelitas, por estarem longe da cidade santa e do templo do SENHOR. E a tristeza e o lamento contrastam com a alegria e o prazer que marcavam o seu serviço na adoração do templo.

O momento de solene tristeza e lamento dos israelitas é interrompido com a chegada de babilônios (Vs. 2,3).

Os babilônios são descritos como os responsáveis pela tristeza que dominava o coração dos israelitas piedosos. Foram os babilônios que os arrancaram da sua terra natal e os espalharam nessa terra estranha. Foram eles que causaram sofrimento horrível a Israel e o afastara do templo do SENHOR.

(É muito difícil calcular os danos causados a um povo, quando ele é arrancado da sua terra e impedido de praticar a verdadeira religião).

Esses mesmos babilônios que tanto mau vinham causando aos israelitas, pediam que eles cantassem com alegria uma das letras dos Cânticos de Sião que eram cantados no templo de Jerusalém.

Notem que a ênfase do pedido dos babilônios recai sobre a letra dos cânticos, não sobre melodia dos cânticos

Talvez esses babilônios conhecessem os cânticos do templo e até os admirassem. Ou então eles estavam zombando dos levitas. – Alegrem-se homens! Cantem um dos Cânticos de Sião!

Em resposta, os levitas guardavam – talvez escondiam – suas harpas no galhos de dentro dos arbustos frondosos que nasciam próximos aos rios.

Notem o “pois” no início do versículo 3. Esse “pois” explica o motivo dos israelitas guardarem suas harpas nos salgueiros (v.2). Eles se recusaram a cantar os Cânticos de Sião em lugar profano.

Os responsáveis pelos cânticos sagrados que eram ministrados continuamente no templo eram os levitas. Davi foi quem estabeleceu algumas famílias de levitas para o cântico no templo (1Cr 25.1ss): Asafe (Sl 50; 73-83), Hema (Sl 88) e Jedutum (Sl 36; 62; 77).

Assim, ficamos sabendo que o autor do Salmo 137 era um levita e que ele havia estado entre os levitas que iam às margens dos rios da Babilônia para lamentar o exílio.

Esses levitas eram muito zelosos pelo SENHOR. Eles compreendiam o valor dos cânticos compostos para a adoração a Deus no serviço sagrado. Como eles poderiam cantar esses cânticos sagrados estando fora do lugar sagrado? Eles profanariam o nome santo do SENHOR (v.4).

Hoje em dia é difícil para as pessoas entenderem a distinção entre cânticos comuns e cânticos para o culto cristão. O resultado é que trazem para o culto músicas que agradam o público, sem nenhuma preocupação se elas são apropriadas ou não para servir à adoração da igreja.

Os versículos finais têm servido para dar ao salmo a classificação de salmo imprecatório (salmo de maldição, de juízo, de vingança contra os inimigos).

De fato, o Salmo 137 apela para a vingança contra aqueles que tinham levado os israelitas cativos para a Babilônia e tinham causado grandes sofrimentos a todo povo. O salmo também invoca maldição contra os edomitas que tornaram a deportação dos israelitas um processo ainda mais dolorosa.

Mas é bom notar que o salmista invoca primeiramente castigos sobre si próprio (vs. 5,6) e somente depois, ele invoca castigo sobre os inimigos (vs.7-9).

O salmo usa as palavras esquecer e lembrar nos versículos 5,6 em uma combinação poética para descrever a relação entre pecado e castigo.

A palavra hebraica para ESQUECER, que aparece na primeira parte do versículo 5 é a mesma que a nossa Bíblia traduziu por RESSEQUE, na segunda parte desse versículo. “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que tu esqueças a minha mão direita”.

Jerusalém aqui é usada como sinônimo poético para se referir a Deus “Se eu me esquecer de ti, SENHOR, que TU esqueças a minha mão direita”.

Ter a mão direita esquecida significa não ter a força na mão principal. No caso do levita, significava não ter força para executar os movimentos de tocar a harpa.

A cena lembra uma pessoa que teve a mão resseguida por um defeito congênito; ou alguém que ficou com a mão inutilizada por causa de um acidente; ou ainda uma pessoa que ficou com o braço morto depois de um derrame.

A segunda imprecação que o salmista invoca sobre si mesmo aparece no versículo 6:

Que a minha língua fique colada no céu da boca se eu não me lembrar de Jerusalém (Deus) e se eu não preferir ou estimar Jerusalém (Deus) acima da minha maior alegria. As palavras lembrar e preferir estão em paralelismo para enfatizar que Jerusalém (Deus mesmo) está acima das suas maiores alegrias.

Notem que o segundo castigo completa o primeiro. A língua colada no céu da boca impediria o levita de cantar, assim como a sua mão resseguida o impediria de tocar a harpa.

A maior alegria dos levitas era cantar para o SENHOR no serviço sagrado da adoração no templo (v.3). Por isso, ele se coloca voluntariamente sobre merecidos castigos, se a alegria de servir a Deus no templo fosse suplantada por qualquer outra alegria deste mundo.

A imprecação do levita portanto se resume nisso: se eu não preferir o SENHOR acima da minha maior alegria, que eu não tenha voz para cantar os louvores de Jerusalém nem tenha força na mão para tocar a harpa, entoando os cânticos de Sião.

Imprecações contra os inimigos
Agora sim, depois de invocar a maldição de Deus sobre si mesmo, o salmista está confiante para invocar imprecações contra os inimigos do povo de Deus, os edomitas e os babilônios (vs. 7-9).

A primeira imprecação é dirigida aos edomitas (v.7). Essa prioridade dos edomitas sobre os babilônios pode ser explicada, porque os edomitas eram descendentes de Esaú, irmão de Jacó (Gn 36).

Por causa da relação familiar com Israel, Deus havia abençoado os edomitas com um território nas montanhas de Seir (Gn 36.8). E na época que Israel estava caminhando para Canaã e destruindo todos os reinos que atravessavam o seu caminho, Moisés não guerreou com Edom, por ser irmão de Israel (Nu 20.14-22).

Por causa dessa relação familiar, era esperado que os edomitas ficassem em favor de Israel, quando os babilônios invadiram Judá. Mas, isso não aconteceu. Eles não lamentaram a desgraça dos seus irmãos, nem temeram a Deus. Pelo contrário, eles zombaram dos israelitas e incitaram os babilônios a promoverem uma ruína completa sobre Jerusalém e o templo.

Arranquem até a última pedra da cidade e do templo! (v.7B)

Uma coisa importante a se notar é que o salmista fundamenta o seu apelo contra os edomitas nas ameaças que próprio Deus já havia declarado contra Edom. Por exemplo, por meio do profeta Obadias, que havia profetizado na época do Exílio (leitura feita no culto). Outros profetas também haviam profetizado a ruína de Edom (Ez 25.12-14; Jr 49.7-22; Jl 3.19; Lm 4.21).

O salmista não faz dessa imprecação uma vingança pessoal, mas uma justiça pactual. O Deus da aliança havia prometido preservar a descendência de Abraão, para garantir a vinda do Messias (Gn 17.7; Gl 3.16). Mas os edomitas ficaram alegres com a ideia que Israel fosse completamente destruído. Eles não desprezaram apenas a israel, mas também ao Deus de Israel.

Por isso, os edomitas mereceram o castigo que receberam. Eles sofreram com inúmeras guerras até perderem o seu território e serem quase extintos. Alguns que escaparam se abrigaram justamente em Israel e chegaram a ser assimilados com judeus (1Mc 5.3). Herodes o Grande que ordenara a matança das crianças de Belém (Mt 2.16-18), por exemplo, era edomita (idumeu). Mas os edomitas acabaram deixando de existir como nação, quando Jerusalém foi destruída (70 d.C).

A segunda imprecação é dirigida contra os babilônios, ou mais especificamente, contra as mulheres babilônias “filhas da Babilônia” e às suas crianças (vs 8,9).

A viagem de Jerusalém até a Babilônia era longa. A distância era mais ou menos de 1000 km, e durava cerca de um mês ou mais viajando a pé.

Os soldados babilônios que escoltavam a multidão de israelitas cativos ansiavam por chegar em casa. Depois dos longos dias de cansativa batalha, estavam exaustos, mas ainda tinham uma longa viagem pela frente. Além disso, doentes, velhos e crianças tornavam a viagem ainda mais demorada. Nessas circunstâncias, era comum descartá-los para agilizar a viagem.

E o Salmo mostra que isso realmente aconteceu.

O povo de Israel sofreu muito ao ver os seus doentes, velhos e crianças sendo descartados como se fossem bagagem inúteis. Mas era a maneira como os soldados se livravam das crianças, que causava a maior dor nos israelitas. Eles arremessava as crianças contra as pedras, deixando-as agonizando. Isso era desumano!

Como se não bastasse a dor de perder seus parentes velhos e doentes, ainda tinham de sofrer com a perda dos seus filhos de maneira tão terrível. Mas a dor dos filhos de Deus era consolada pela promessa de que Deus os vingaria e puniria os babilônios (cf Jeremias 50).

O Salmo 137, portanto, junta a lembrança da perda dos filhos aos setenta anos de tristeza que enfrentaram longe da pátria e do templo para concluir com um apelo à justiça divina e à justa retribuição contra as ofensas causadas pelos edomitas e pelos babilônios.

“feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra.” (vs. 8,9).

Aplicações

Antes de olharmos para este salmo como um salmo imprecatório, que evoca o juízo de Deus contra os inimigos, precisamos olhá-lo como um salmo de devoção de um filho de Deus que ama profundamente o SENHOR.

O que acontece quando a coisa que você mais ama é tirada de você? Você não tem mais motivo para se alegrar, senão para se entristecer, não é! Isso era verdade para o salmista como é verdade para os filhos de Deus, hoje.

Porém a alegria verdadeira do crente não está nas coisas desta vida, senão na presença de Deus. Uma das maneiras como a Escritura do Antigo Testamento mostra a alegria dos santos diante de Deus, é com os israelitas deixando suas casas, suas cidades e indo a Jerusalém, para o templo, a fim de adorar a Deus. Porque era ali que a adoração a Deus alcançava sua expressão mais elevada e ali a alegria do povo de Deus era mais real (Sl 100; Sl 122).

A igreja não tem mais o templo, mas tem os cultos dominicais. E, no culto, a igreja tem a realidade que os antigos só alcançaram por meio das sombras. No culto, Cristo é pregado a nós e sua graça é aplicada ao nosso coração, pela obra do Espírito Santo. Não pode ter alegria maior do que essa para o crente!

Segunda aplicação
Podemos usar esse salmo para invocar o juízo de Deus contra os inimigos da igreja?

Estamos vivendo um momento especial da história, como igreja, como família, como cidadão. O mundo vive sob ameaças de morte por causa da COVID-19 e debaixo de severas restrições impostas por governantes.

O medo tem impedido a muitos crentes de se juntar à igreja para cultuar a Deus – embora nem sempre os impeça de ir ao trabalho, de ir ao supermercado, de ir à casa de um parente. Estes crentes deveriam dizer como o salmista: que a minha mão fique mirrada e que a minha língua fique colada no céu da boca se eu não preferir a Deus do que a minha maior alegria.

E sobre as autoridades que impuseram severas restrições aos cultos da igreja e ameaçaram as igrejas que desobedecerem as restrições, será que podemos usar este salmo para invocar o juízo de Deus sobre essas autoridades?

Em primeiro lugar, devemos prestar atenção ao fato que o salmista faz primeiro duas imprecações sobre si mesmo, antes de fazer imprecação contra os inimigos.

Quem usa este salmo como imprecação contra os governantes, deve estar seguro de que tem o SENHOR como a sua maior alegria e que está disposto a sofrer duros castigos se falhar em colocar o SENHOR acima de qualquer coisa em sua vida.

Em segundo lugar, devemos considerar que o salmista está apelando para as ameaças específicas de Deus contra Edom e contra Babilônia, como Deus já havia declarado pelos profetas.

Portanto, se queremos usar este salmo para invocar o juízo de Deus contra os governantes ímpios, que oprimem a igreja, devemos olhar também para o Novo Testamento e ver o que as Escritura diz acerca do juízo contra os pecadores.

No Novo Testamento, aprendemos que o juízo de Deus contra os ímpios estão sendo cumpridos de modo misterioso. Doenças, guerras, catástrofes naturais ou não, entre outras coisas, são parte do juízo de Deus contra os pecadores (Ap 6).

Mas a Bíblia também fala que Cristo voltará do céu como juiz dos vivos e dos mortos. Ele trará pesado e eterno castigo sobre todos os que não temem o Seu nome; e sobre os que oprimem a igreja; e sobre todos que praticam maldade (Mt 12.36,37; 25; At 17.31; Rm 2.16; 1Ts 1.10; 2Ts 1; Ap 6.9-11).

Então, o problema não é orar a Deus para que Deus castigue os pecadores. O tempo todo Ele está fazedo isso.

O grande problema é usar o Salmo 137 ou outros salmos imprecatórios para pedir a Deus que castigue aquelas pessoas que se tem em mente; que Deus faça isso agora, em tempo de ver com os próprios olhos a desgraça dos inimigos; que Deus castigue os pecadores do modo como se deseja que aconteça. Isso não é oração imprecatória. Isso é desejo de vingança pessoal. E a vingança não pertence a nós, pertence ao Senhor (Rm 12.19-21).

Por isso, antes de orar para Deus castigar os pecadores, devemos orar pela salvação deles (Mt 5.43,44; Rm 12.14). Embora estamos certos que o Senhor em breve derramará sua vingança contra todos os que não se arrependem e creem Nele.

Continuemos a ler e a cantar o Salmo 137 para celebrar a fidelidade de Deus em preservar a igreja, apesar da fúria dos inimigos. Mas não tenhamos um sentimento de vingança pessoal em nosso coração, enquanto lemos ou cantamos este salmo. Deixemos que os salmos imprecatórios moldem nossa ira com a justiça divina. Amém.